sexta-feira, 14 de agosto de 2009

PATATIVA DO ASSARÉ: A INCLUSÃO DA CULTURA POPULAR NO CURRÍCULO DAS ESCOLAS PÚBLICAS DO MUNICÍPIO DE ASSARÉ-CE

PATATIVA DO ASSARÉ: A INCLUSÃO DA CULTURA POPULAR NO CURRÍCULO DAS ESCOLAS PÚBLICAS DO MUNICÍPIO DE ASSARÉ-CE


Francisco Eugênio Costa Oliveira
Anna Christina Farias de Carvalho



Resumo

Partindo da análise dos conteúdos programáticos apresentados nas escolas este artigo apresenta uma proposta de inserção da literatura popular, tendo como referência a obra literária de Patativa do Assaré no currículo das escolas do município de Assaré.
Por ser Patativa do Assaré um filósofo sertanejo denunciador das injustiças sociais não há uma política de divulgação de sua obra.
A formação epistemológica dos educadores não permite fazer uma relação da poesia de Patativa com os conteúdos curriculares e a não existência de um trabalho com as suas poesias faz com que os alunos e pais não tenham o conhecimento da produção do seu trabalho.
O processo norteado deste artigo não está ligado ao bairrismo corporativista, mas com a valorização do agricultor que se fez poeta e que tão bem retratou a história do homem e do seu convívio com a natureza, numa linguagem pura e própria e de uma compreensão universal.

Palavras - Chaves: Cultura Popular, Currículo, Patativa do Assaré




Introdução


A educação é um processo que existe desde que é sabida a existência do homem e da mulher no mundo, e compreende a formação do indivíduo na sociedade na qual estão inseridos. Somos conscientes de que a estrutura educacional sempre esteve e está nas mãos do Estado, pois cabe ao Estado proporcionar aos cidadãos na sua formação intelectual.
Entretanto, a educação protagonizada pelo Estado funciona em defesa dos princípios ideológicos que ele pratica e que ele quer impor, nos quais a opressão do saber é a obviedade necessária para manutenção do poder, pelo poder e para o poder (FOUCAULT, 2000). Na realidade os sistemas educacionais refletem o posicionamento da sociedade e a forma de governo que está no centro do poder.
A trajetória do sistema educacional vigente protagonizada pelo Estado é marcada pelo fracasso que se concretiza através dos indicadores que caracterizam o distanciamento do discurso à realidade da nossa sociedade.
No âmbito de nossas preocupações e correspondentes esforços situa – se esta pesquisa, cujos objetivos podem ser descritos em sentido amplo como identificar e analisar as percepções dos alunos, professores e pais sobre o distanciamento dos conteúdos dados nas escolas de Assaré com a realidade local; esta situação resulta em conseqüências negativas sobre aprendizagem dos alunos e que, sem dúvida, acarretarão no fracasso escolar.
Não podemos afirmar que o fracasso escolar se deve exclusivamente ao baixo rendimento do aluno, mas também àqueles alunos que não conseguem se adaptar as normas do sistema educacional, que são alvo de referência neste artigo, bem com a grade curricular e os conteúdos programáticos das escolas. Vale ressaltar que o fracasso escolar é produzido pela ação dos seres humanos, que tem como resultado a evasão escolar, a repetência, a reprovação e conseqüentemente o alto índice de analfabetismo.
O processo histórico que envolve o sistema educacional brasileiro, que vem desde a colonização até a mais recente redemocratização do país, nos remete a considerar que estamos produzindo uma escola marcada pela imposição ideológica do poder central, levando –se em consideração que historicamente as nossas escolas foram marcadas por longos períodos centralizadores e ditatoriais. Este sistema educacional autoritário, voltado para a formação dos filhos das elites, produziu um distanciamento das escolas dos saberes e conhecimentos produzidos pelas comunidades, pela cultura popular, cujo resultado é o sentimento de não identificação entre o aluno e o saber escolar.
Este artigo, portanto, objetiva fazer uma análise histórica da educação no Brasil e, mais particularmente, no município de Assaré, na tentativa de mostrar a não adequação do currículo escolar à realidade local, o que acreditamos venha a ser um dos principais problemas da atual política educacional no Brasil, reforçando e reproduzindo o secular distanciamento entre os cidadãos e a escola.


A educação no Brasil: a reprodução do saber escolar para as elites


Ao longo do período colonial os jesuítas tiveram a função de desencadear o processo de imposição da cultura européia no povo nativo, além de fortalecer o poderio da Igreja Católica. Os jesuítas no Brasil tiveram uma importância muito grande para a manutenção do poder de Portugal porque, além de divulgar o catolicismo, fortalecia sua relação com o Estado que muitas vezes interferia nas ações publicas, ressaltando a resistência da Companhia de Jesus em não permitir que os colonizadores escravizassem os índios, por este motivo ela foi conivente com o tráfego e conseqüente escravidão dos negros da África e Ásia (ROMANELLI, 2002). Deve ressaltar que além de mascarar o índio de sua realidade, fazendo – os esquecer de seus valores culturais, os jesuítas se beneficiaram dos produtos confeccionados pelos indígenas.
Com essa e outras ações, a Companhia de Jesus assegurou a hegemonia de Portugal. Romanelli (2002, p. 28) assim se posiciona diante deste acontecimento:


Na fase colonial, este tipo de ação escolar é também o instrumento do qual vai servir – se a sociedade nascente para impor e preservar esta cultura marcada pelo autoritarismo, e pela quase absoluta ausência de possibilidade de inovação.


Com a ascensão de D. Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, como chefe de Estado do Reino de Portugal, ocorrem modificações no sistema educacional. Estadista respeitado e enérgico, o Marquês de Pombal não acreditava na qualidade de ensino dos jesuítas, discordando dos seus métodos e do monopólio do clero no sistema educacional; esses atritos entre a Igreja e o Estado contribuíram em grande medida para a decadência de Portugal em relação às outras nações européias.
No século XVIII o Brasil entrou no ciclo do ouro, onde Minas Gerais veio a se transformar no centro das atenções do Marquês de Pombal, passando a controlar a comercialização e criando uma infra – estrutura que contribuísse para melhorar as condições de extração do minério. Paralelamente, a corrida do minério fomentou a criação de escolas que atendessem aos filhos das famílias que fossem trabalhar na exploração do metal precioso.
A reforma pombalina não trouxe maiores conseqüências no sentido de se fazer uma educação voltada para atender as transformações sociais que os países do Velho Mundo estavam passando e, conseqüentemente, suas colônias acompanhariam, pois nesse momento histórico Portugal estava em processo de decadência enquanto potência européia. As outras nações da Europa, sobretudo a Inglaterra, haviam superado os entreves feudais ao capitalismo e o conhecimento se voltava cada vez mais para a modernização das técnicas de produção que desaguaram na chamada Revolução Industrial.
Somente em 1768 é promulgada a lei da criação de Real Mesa Censória que tinha a função de “cuidar dos negócios da educação”. Porém a partir de novembro de 1772 Portugal autorizou a criação das escolas públicas em suas colônias, esquecendo de alocar recursos para o financiamento do sistema educacional. Como medida importante deste período destaca-se a criação do subsídio literário, imposto esse que passou a fazer parte do orçamento da Colônia (Romanelli, 2002).
É interessante que o estágio probatório já existia naquela época, onde o professor passava por um período de um ano de adaptação e sendo avaliado pelo seu desempenho, só após esse período é que o professor era contratado por mais seis meses.
Com todo esse aparato na escolha dos professores não houve nenhum crescimento significativo na educação, isso em virtude da interferência política e a má remuneração dos professores, além de apresentar uma estrutura curricular fora da realidade e do contexto social de sociedade colonial, demonstrando assim o distanciamento da escola com a realidade vivida pelo povo, o que nos remete a reafirmar a elitização do sistema educacional no Brasil, caracterizando o distanciamento da qualidade de ensino. A educação era privilégio, e não um direito, concedido apenas aos homens brancos e de posses. A grande maioria da população – constituída de índios, mulheres, escravos e homens pobres, estavam completamente excluídos do sistema de ensino escolar.
Com a proclamação da Independência, conduzida em 1822 pelo Imperador Pedro I, cria – se no povo brasileiro a esperança da construção de uma nação voltada para os interesses e os anseios da população, principalmente com a formação de uma Assembléia Constituinte que elaborou a primeira Constituição brasileira. No entanto, se estabelece também um clima de divergência entre o Imperador e os deputados da Assembléia que é dissolvida, sendo constituído um Conselho de Estado para refazer e elaborar o projeto anteriormente apresentado, impondo a marca e vontade do Monarca e garantindo seu poder centralizador e a intervenção na vida publica do país através da criação do Poder Moderador, este estaria acima de todos os outros poderes constituídos.
No que se refere à educação, é determinada a gratuidade do ensino primário, se institui a criação de colégios e universidades no país, o ensino religioso (católico) é parte integrante nos currículos e programas, cabendo ao Estado a responsabilidade administrativa do sistema educacional. Porém, com o ato educacional de 1834 essa responsabilidade passa a ser das Assembléias Legislativas das Províncias, com exceção dos cursos universitários.
O desgaste de D. Pedro I é grande diante do seu autoritarismo; o seu envolvimento político com a coroa portuguesa culminou com o afastamento dos liberais do governo e sua abdicação do trono em favor do seu filho D. Pedro II.
A transição do Primeiro Reinado para o Segundo Reinado é marcada por conflitos políticos e econômicos, onde o sistema educacional permaneceu o mesmo, isso em virtude dos deputados dos liberais modernos e dos exaltados nas decisões políticas, o que levou a antecipação da maioridade de D. Pedro II (Romanelli, 2002).
No Segundo Reinado o parlamentarismo é implantado e o Imperador passa a responsabilidade do governo aos seus ministros, se dedicando apenas às atividades culturais. O país mergulha numa crise social sem procedência levando a sociedade brasileira entrar num processo de insatisfação com o governo.
Com o advento da Proclamação da República em 1889 a sociedade brasileira permaneceu alicerçada nas influências das oligarquias rurais, as idéias republicanas incorporavam o pensamento da manutenção do poder dos coronéis. O fim da escravidão no ano anterior ocorreu muito mais em razão das pressões externas do que mesmo no sentimento libertário para com os negros. A estrutura excludente permanecia.
De acordo com Vieira (2002, p. 13):


Os conturbados tempos da Primeira República trazem com eles anseios de mudanças na educação. Inúmeros são os projetos de reforma concebidos no período: Reforma Benjamin Constant (1890), Reforma Epitácio Pessoa(1901), Reforma Rivaldávia Correia(1911), Reforma Carlos Marximiano (1915) e Reforma João Luiz Alves(1925).


Na República Velha não tivemos grandes feitos em prol da educação, mas medidas isoladas em forma de decretos, o que não garantiu a sociedade brasileira uma educação com foco na qualidade e comprometida com a forma de governo democrática e com os anseios do povo, onde não se preocupou com a formação do professor. Além disso, é importante destacar o crescimento do ensino privado e, em conseqüência, o distanciamento cada vez maior das camadas populares ao acesso a escola.
Vale ressaltar que na Republica Velha prevaleceu a constituição de 1881. Nela o sistema educacional se apresentou como um aparelho ideológico do Estado, pois não apresentou um aprofundamento da autonomia da escola, descaracterizando o seu papel social e dando a identidade assistencialista. É necessário mostrar ainda que a Constituição de 1881 manteve a vulnerabilidade da escola diante do seu papel como uma instituição voltada para a sociedade, na realidade esta constituição não incluía nenhum artigo sobre os direitos dos trabalhadores ou mesmo sobre a justiça social.
O movimento de 1930 não significou uma alteração significativa nas estruturas sociais, apenas uma mudança no comando político, quando as velhas oligarquias foram substituídas pela emergente elite industrial. Do ponto de vista educacional, a criação do ministério da educação representou o fato mais importante a ser registrado. Destaca-se ainda o incentivo ao ensino superior com a criação da Universidade de São Paulo e a vinda de professores estrangeiros.
As sucessivas crises políticas durante a Era Vargas, o Estado Novo e a instabilidade econômica afetaram o não desenvolvimento do sistema educacional. Com o retorno a realidade democrática e o surgimento da Assembléia Constituinte de 1946 não podemos afirmar que o sistema educacional passa a ser uma prioridade nas discussões. Prova disto é que somente no ano de 1961 surge a Primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (4.024/61), que não atingiu a realidade da sociedade brasileira, que naquela época passava pelo processo de industrialização e com isso crescia a população urbana analfabeta, fato esse acelerado pelo êxodo rural.
Vale ressaltar que a estrutura do Estado revela a emergência das classes populares e a necessidade da incorporação delas ao jogo político, uma vez que o populismo tornou-se o aparelho de manipulação de nossa sociedade.
Para atender a demanda do crescimento da população urbana o Estado decretou uma série de medidas que resultou num conjunto de ações que tornou a escola desqualificada, onde se preocupou apenas com a abertura de vagas, imprimindo a redução do período letivo, a promoção automática, aprovação compulsória, sem preocupação com a qualificação do professor, entre outros fatores, o que não primou pela qualidade de ensino. Romanelli (2002, p. 27) analisa que:


O movimento de 1964 desenvolvia o Brasil abrindo-o aos monopólios internacionais, isto quer dizer que as necessidades da população brasileira se colocava em segundo lugar, ficando em primeiro os interesses do mercado externo, disseminados por estrangeiros.


O golpe de 1964 levou a educação brasileira a uma situação em que o direito de pensar e refletir era mais uma vez tolhido, diante da imposição do poder central em determinar o “saber” que ele queria impor. As universidades se já não cumpriam seu papel, passaram a ser um alvo ideal para os ideais do poder.
Assim como na ditadura de Vargas, a ditadura militar impôs um currículo que defendia exclusivamente a política do governo, alem de mascarar para o povo brasileiro a realidade que imperava em nossa sociedade, onde o direito de pensar e se expressar livremente passou a ser uma reprodução maquilada da situação real de nossa sociedade.
Analfabetismo, evasão, reprovação e ensino de má qualidade foram as marcas da educação escolar brasileira desde o período colonial até a redemocratização brasileira concretizada com a constituição de 1988. Esta carta, fruto de intensa mobilização popular, já aponta para a perspectiva da educação como um direito do povo e dever do Estado; representa, portanto, um passo importante, mais ainda não definitivo para a conquista da cidadania.
Ressaltamos que somente em 1996 a Lei de Diretrizes e Base da Educação foi aprovada (Lei nº 9394/96), depois de oito anos de discussões no Congresso Nacional. Como conseqüência da nova LDB é aprovada a Lei de nº 9424/96 que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF), que é um fundo de natureza contábil com vigência de (10) dez anos, onde determina que 60% dos recursos oriundos dos 15% do quadro de impostos: ICMS, FPM, IPI, IPVA, sejam gastos como despesas de pagamento e professores e na sua valorização.
A proposta de estabelecer uma relação de vinculação de recursos para a Educação Básica em especial no Ensino Fundamental com a criação do FUNDEC desencadeia uma ampla reforma na grade curricular através dos ( PCNs) Parâmetros Curriculares Nacionais, que oferece a escola ou aos Sistemas Educacionais liberdade de criação de seus currículos buscando a cidadania do aluno.
Neste sentido, com a conquista do processo democrático nos últimos anos e a necessidade de construir a cidadania no Brasil, a escola passou a privilegiar o saber produzido pela sociedade de que o aluno é portador. Além disso, a valorização de temáticas e conteúdos relacionados ao saber popular, a escola como lugar de interação entre o conhecimento científico e popular, são conquistas cada vez mais importantes e urgentes. Por isto, a presença de Patativa e de sua poesia na cidade de Assaré é uma dádiva que não pode ser esquecida, nem desperdiçada. O ensino escolar tem muito o que aprender com o ensino para a vida presente nas poesias do poeta-maior da Serra de Santana.


Patativa: o homem-pássaro e o saber libertário

A realização desta pesquisa no sentido de introduzir a cultura popular no currículo das escolas do Município de Assaré corresponde às dimensões sócio-culturais que a obra do poeta Patativa do Assaré evoca. Se caracteriza, portanto, numa pluralidade admissível a realidade de nossas escolas.
Patativa do Assaré é a síntese de todos poetas populares do Brasil, embora tendo a consciência que, mesmo com uma linguagem simples, ele conseguiu traduzir a história do homem atual sem ferir os brios e as regras da literatura, tendo como característica a luta dos pobres e oprimidos, demonstrando a necessidade de sua libertação:


O pinto prizioneiro
pra sair do cativeiro
veve bastante a lutar,
bate o bico, bate o bico,
bate o bico, tico tico
pra poder se libertar.


Como vimos o poeta usa o exemplo do pinto na busca da vida para despertar nas pessoas a consciência crítica de sua condição social com o objetivo de engajar o homem num processo de luta, buscando sua própria libertação.
Historicamente os conteúdos programáticos dados na disciplina de Ciências Humanas se restringem a contar fatos históricos, esquecendo de contextualizar as lutas protagonizadas pelo povo na conquista dos seus ideais e seus objetivos, de certa forma mascarando a realidade dos fatos dando crédito às conquistas apenas aqueles que estão ou mantém o poder. De acordo com Carvalho (2002, p. 103):


Patativa propõe uma luta, sem tréguas, entre o pessoal e o solidário, entre o que amealha para si e o que sonha com uma construção de um mundo mais justo. Luta contra o inimigo/monstro bicho de sete cabeças, chamado sistema, como todas as suas iniqüidades.


A condição social do povo nos livros didáticos e conseqüentemente nos conteúdos programáticos é distante da realidade, sobretudo no que se refere à roça, situação de moradia e financeira do morador da zona rural. Os conteúdos discutidos deixam transparecer uma realidade distante para o aluno e leitor. É a incoerência do discurso para o mundo que vivemos.
A linguagem de Patativa do Assaré é marcante e presente no dia a dia de nosso povo, onde de forma direta ele consegue ter a visão do mundo, na ótica da sociedade moderna, o que compreende a linguagem do poeta com a linguagem de nossos educadores e educandos.
Patativa com sua poesia tem uma consciência e uma visão de mundo extraordinária, onde ele consegue ser uma referência para os estudiosos da cultura popular, aspecto que nos leva a acreditar que esse acervo literário e cultural deve estar inserido no conteúdo da escola, não só como forma de disciplina, mas também como fundamentação para a interdisciplinaridade.
A política é uma presença marcante na poesia de Patativa, onde a filosofia é o mote que o evidencia a dialética social, pois sua poesia brota da sua intelectualidade matuta que reproduz a história do homem e da mulher na sociedade. Segundo Carvalho (2002, p. 48):


A consciência da cidadania e essa aceitação das dores do mundo dão uma dimensão de sua ética pessoal E de sua empreitada de criar e tentar modificar o Mundo a partir das palavras.


A multiplicidade da obra de Patativa é um acervo cultural que transmite e questiona a condição de cidadania em que vive um povo, mais abre numa perspectiva realista a possibilidade de se buscar uma sociedade mais justa e humana.
È nesse ponto de conflitos entre o discurso e a política social que envolve um processo sociopolitico, econômico e cultural que nos leva a desafiar e acreditar que a inclusão da literatura popular no sistema educacional de Assaré significa incorporar nossos valores numa perspectiva de falar a “língua dos homens”.
Portanto, é nessa perspectiva democrática e libertária que iremos instigar os educadores de Assaré a incluir no currículo das escolas de nosso município a disciplina que verse sobre a Cultura Popular ressaltando a obra de Patativa do Assaré.


A Poesia de Patativa: um esboço teórico


Embasado na concepção histórica – crítica encontramos na interpretação do pensamento marxista: “A realidade não é aquilo que herdados do passado, o mundo objetivo do qual nos descobrimos lançados, mas aquilo que as mãos podem fazer...” (ALVES, 1993, p.15) e estendendo – se na leitura, compreendemos que se a mão produz , a uma mente que pensa e em se tratando de Patativa do Assaré há em seu canto poético todo um fazer histórico. “Patativa penetra mais fundo na realidade do abandono sertanejo” (NUVEM, 1995, p.) porém não limita a versejar só a vida do homem do campo.
No clássico poema o “Alço e Gasolina” Patativa mostra um vasto conhecimento da mecânica de um carro, revela no “Disgosto de Medêno” as intrigas de família em tempo numa cidade do interior.
Patativa anuncia sua chegada no céu e seu encontro com o poeta Castro Alves na sua poesia “Morrer sem morrer de veras” e o faz de forma agradável e prazerosa.
Anuncia, denuncia o domínio de um capital externo determinando a vida da maioria do povo brasileiro.


Ave, Patativa. As Palavras são imperfeitas para tentar esboçar um perfil por mais apressado que seja, esgarçado e tênue, impreciso e rígido Patativa do Assaré é a própria voz que anuncia, conciliando a natureza e cultura, engenho e arte, razão e emoção. (CARVALHO, 2000, p.52).


A genialidade do nosso poeta atravessa fronteiras, observa Sales Andrade em seu trabalho monográfico (apud Rodrigues, 1996, p.50), transcrevendo o seguinte trecho de poesia:


Perdi meu ôio direito
ficando mesmo imperfeito
sem vê nem perto, nem longe,
mas logo me conformei
por saber que assim fiquei
parecido com Camões.


E comenta o professor Sales (Idem): “A falta de qualquer outro traço positivo no episódio, ressalta com humor a semelhança de sua desventura com a que vitimou Camões, mostrando – se orgulhoso e consolado por esse mistério, em afinidade entre ele e o bando português" e completando Sales Andrade ressaltamos o humor do poeta transforma um ato dramático em versos humorísticos e isso faz com que percebamos Patativa do Assaré como um alegre que brinca com a fatalidade da vida.
E nesse seu jeito de interagir com a vida que tem um reconhecimento de um Brasil inteiro, podendo se encontrar indícios de seu canto em ninhos internacionais.
Afirmar que a Educação é elitista na visão do poeta é pretensão, mas que ela ainda está muito distante das classes mais baixas é uma dura realidade que somos obrigados a conviver.
Em relação a situação do homem do campo, acreditamos que Patativa conta sua própria história em forma de versos, além de retratar a vida sofrida e cheia de adversidades que o sertanejo sofre em busca de sua sobrevivência.
A seca é fato que acontece em nosso “Torrão Querido”, desde a chegada dos portugueses, mas nada de concreto foi feito para acabar com esse problema social. Patativa com sua sapiência consegue ter uma visão crítica dos problemas que a seca atinge a nossa população do campo como demonstra o poema " O Nordestino em São Paulo":


Em conseqüência de uma seca horrível,
Para São Paulo o Nordestino vai
Leva no peito uma lembrança incrível
Da boa terra onde morreu seu pai

Quando noticia do Nordeste tem
Com um inverno de mandar plantar
maior saudade no seu peito vem,
escravizado sem poder voltar.


Porém em “A Triste Partida”, ele consegue traduzir toda a história de sofrimento que os retirantes da seca passam, da saída de seu habitat natural até sua chegada a terra de estranhos, onde se sujeitam a exploração, a escravidão e a discriminação.


Setembro passou com outubro
e novembro
já tamo em dezembro
Meu Deus, que é de nós?
Assim fala o pobre do seco nordeste,
Com medo da peste,
Da fome feroz.


A política é uma presença marcante na poesia de Patativa, onde a filosofia é o mote que evidencia a dialética social, pois sua poesia brota do seu intelecto, como “um pé de milho que ele roçava na Serra de Santana”.
Patativa nunca se preocupou com a censura, mesmo na repressão política e policial iniciada em 1964 e que durou por cerca de 20 anos. ele não deixou de gritar, através de sua poesia , a situação que o poder impôs a sociedade brasileira:

“Mote Glosas”

Quando passar a chacina
Que surge de dia a dia
E o tráfico de cocaína,
E a real democracia
Seguir os caminhos certos
E os Chicos Mendes libertos
Das balas dos pistoleiros,
Diremos em nossa terra
Por vale sertão e serra,
Viva o povo brasileiro

Quando o artista que tem fama
E ocupa o televisor,
ó apresentar programa
De moral, de paz e amor,
Quando o cruel mercenário
Este monstro sanguinário
Deixar de ganhar dinheiro
Pra matar seus semelhantes
E na houver assaltantes
Viva o povo brasileiro

Quando o infeliz agregado
Se libertar do patrão
Pra morar sucegado
No seu pedaço de chão,
Quando uma reforma agrária
Que sempre foi necessária
Para o caboclo roceiro,
Foi criada e registrada
Em nossa pátria adorada,
Viva o povo brasileiro

O sonho de nossa gente
Foi sempre viver feliz
Trabalhando independente
Em nosso grande pais,
Quando o momento chegar
do nosso Brasil pagar
o que deve ao estrangeiro,
o maior prazer teremos
e libertos gritaremos
viva o povo brasileiro!


Portanto, ANTONIO GONÇALVES DA SILVA , “Patativa do Assaré”, cuja a poesia se faz cidadã, atua na crítica do social e que não se descola daquela ancestralidade, do vigor de quem, como Adão, nomeia as coisas que estão no mundo, como afirma Carvalho (2000).
Entender a importância de Patativa do Assaré para a cultura popular brasileira é investigar o contexto histórico – cultural dos últimos anos, buscando uma identidade que traduza a universalidade poética do poeta e com isso inserir a sua vida e a sua obra no currículo das escolas da rede Municipal e conseqüentemente na Grade Curricular.
Porém mesmo cantando lá, o que se vivencia e de observa e sente cá em Assaré nas suas bibliotecas e escolas, é que não existem livros do profeta poeta.


Propondo uma Metodologia e Analisando a Discussão: inserção da poesia popular na grade curricular


Para investigarmos a cerca do relacionamento da poesia de Patativa com seus conterrâneos, optamos em trabalhar com as comunidades escolares das cinco regiões geográficas do município, pois acreditamos dessa forma atingirmos o universo populacional que comprove a validade da pesquisa. A amostra representa um quarto da população do município de cerca de 5 mil pessoas que foram investigadas.
A pretensão de realizar uma pesquisa explicativa possibilitou a identificação dos elementos que determinam a inaceitabilidade do poema e da vida de Patativa do Assaré nas escolas.
De início fizemos um seminário sobre o tema, voltado para as comunidade escolar das maiores escolas do município que perfaz um total de 08 escolas, que atingiu um universo de 5 mil pessoas ( professores, coordenador pedagógico, diretores, gestores).
No seminário foram aplicados questionários que buscaram informações dos participantes acerca da obra e vida do poeta. Com isso detectamos o grau de conhecimento da comunidade escolar em relação ao tema, subsidiando – nos na busca dos elementos explicativos da investigação proposta.
O número de participantes do seminário serviu como fator de entendimento a cerca do envolvimento da comunidade escolar com o poeta. Por se tratar de um número abrangente de pessoas que foram investigadas o seminário foi realizado através da EAD (Estudos a Distância) gravada em fita de vídeo e as respostas dos questionários foram entregues através de mensageiros e pesquisadores.
Feita a compreensão dos resultados dos seminários voltamos às comunidades escolares para uma apresentação de uma síntese dos trabalhos, momento esse, que foi presencial, pois objetivou sensibilizar toda comunidade escolar a aceitar a obra e poesia de Patativa enquanto componente curricular.
Após essa fase de fomentação para o estudo de obra e vida do poeta, criamos um sistema de tutoria usando os mecanismos convencionais e as novas tecnologias para que o tutor fizesse um acompanhamento das ações dos professores no processo de ensino/aprendizagem.
Devemos salientar que a Secretaria de Educação disponibilizou as sedes dos pólos com telefones, fax, salas de computadores e mensageiros para facilitar a interatividade entre os tutores, professores e alunos.
A inserção da disciplina de Cultura Popular no currículo escolar de Assaré passará inicialmente por um processo de capacitação com os núcleos gestores e professores das unidades escolares com profissionais estudiosos da área, que terão um acompanhamento sistemático e permanente por tutores habilitados.
Os diretores responsáveis pelas unidades escolares deverão se reunir uma vez por mês, sempre no último dia de cada mês, para junto com os tutores, analisar as dificuldades de cada escola. A cada mês os tutores se reunirão com os professores nos pólos para supervisionarem as práticas pedagógicas, e juntos encontrarem soluções para os problemas existentes.
Na segunda semana de janeiro haverá oficinas e planejamentos para todos os professores do ensino infantil e do ensino fundamental na sede dos municípios. A cada bimestre os tutores farão uma reunião com a comunidade escolar, sempre no final das avaliações, para que a mesma venha a ter participação na avaliação da escola, tanto no que diz respeito ao rendimento do aluno e conseqüentemente da escola e se ela está atendendo as expectativas da comunidade.
Os encontros com os tutores serão após as reuniões das comunidades e dos professores para avaliação do funcionamento do sistema educacional dos municípios.
Além dos encontros de capacitação programados no calendário, sempre que necessário haverá outros encontros. A cada encontro serão convidados professores especializados de órgãos governamentais e não governamentais, além dos tutores.
Nos encontros de capacitação quando o professor terá que se deslocar do seu lugar de origem, ele receberá uma bolsa para o pagamento de passagens e alimentação ficará por conta da Secretaria de Educação.
Os programas de habilitação dos professores leigos serão feitos em parceria: para os leigos do ensino médio com a secretaria de Educação Básica do Estado e para os leigos em Licenciatura Plena com a Universidade Regional do Cariri – URCA e a Universidade Estadual do Ceará – UECE.


Considerações Finais


A nossa expectativa com a implantação desse programa é muito grande, porque acreditamos que o poder público municipal, em parceria com órgãos governamentais e não governamentais, implemente e gerencie uma política educacional de qualidade e que conduza para um serviço viável em diferentes níveis.
O resgate da dignidade dos profissionais da educação, através de uma remuneração mais justa e condizente com a importância de seu papel, além de proporcionar um programa, onde o professor venha no decorrer de sua cidadania pedagógica se capacitando e participando ativamente das transformações sociais que a sociedade está passando.
Resgatar a confiança da Escola Pública Municipal principalmente quando se encontra uma rede de escolas com professores desestimulados, desacreditados, despreparados profissionalmente e mal remunerados.
Portanto, é preciso definir prioridades e o que achamos prioritário é resgatar a dignidade do professor, o que implica fornecer subsídios para que ele exerça de forma competente e responsável a sua função.
Referimo-nos a Patativa do Assaré, um ícone da cultura popular, que conduz em versos o universo dos excluídos socialmente. Em seu canto poético o Senhorzinho da Poesia é sensível com causas da mulher, do índio, do menor abandonado, do agricultor, dos sem teto e terra, entre outros problemas sociais brasileiros que Patativa anuncia e denuncia. Entretanto, a educação do município de Assaré não vem se aproveitando da produção cultural deste poeta popular que conta toda uma história de como vive a maior parcela do povo.
Nas escolas, os núcleos gestores, professores e alunos desconhecem a obra poética reflexológica do poeta e sua aparição nas mesmas e muito limitada, restringindo-se apenas a semana do seu aniversário em que alunos fazem cópias de algumas poesias ou de desenhos de fotografias. E isso só acontece há cerca de quatro anos
Embora leve o nome de Assaré as mais longínquas localidades, rompendo fronteiras internacionais na divulgação do seu nome e abrindo espaço em mercado turístico, em Assaré pouco se sabe da obra de Patativa, para ressaltar esse adversidade citada lembramos que não existe nenhum livro de sua autoria nas escolas e nas bibliotecas da cidade.
É pretensão nossa criar mecanismos e elementos que proporcione aos docentes de Assaré um projeto pedagógico que vise a implantação da disciplina Cultura Popular no currículo de nossas escolas, tendo como referência o Poeta Patativa do Assaré.


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